sexta-feira, 29 de junho de 2007

Silenciar,
não rimar o ar,
não rimar criar,
não rimar.
Remar contra o claro,
o faro fraco
do poeta nato.
Desnaturar o poema,
desentranhar o mesmo,
trazer questões inconclusas.
Ser não-poeta,
distanciar a mente obtusa.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Max Ernst
Soltar-te de minhas amarras amorosas
(imagem comum, fala tola).
Deixar-te enfim compreender
A ansiedade pelo teu caminhar e por meu medo.
Não admitir aquilo que se está a desejar sem certezas.
Eu - o lírico -,
Incongruência do meu próprio viver
A buscar um renovado mito.

terça-feira, 26 de junho de 2007



Lasar Segall - Duas figuras
Sabe tudo o que dissemos,
O quanto doeu cada letra,
Gesto, pequenas implicâncias
(nada mais parece ter sentido,
tudo soa indiferente).
Ridículos!
Crianças em grandes corpos
Desinteressadas do brinquedo velho.
Romeu cansou de Julieta,
Julieta enjoou de Romeu.
O peixe azul vivia naquele aquário redondo
Bem no meio da sala há muito tempo.
De repente colocaram – jogaram é melhor –
Um peixe amarelo lá dentro.
A partir daí foi uma guerra de cores
E a água ficou esverdeada.
Mas um dia o peixe amarelo amanheceu boiando,
Um pouco de lado,
E então o tiraram do aquário redondo.
Foi assim que o peixe azul desbotou, ali,
Bem no meio da sala.

sábado, 23 de junho de 2007

Edward Hopper - Eleven A.M.


De repente a vida escorreu por entre as pernas.
Sangue negro,
Coagulada forma já sem razão de ser era levada pela água,
Descia para um ralo qualquer,
Desaguaria em algum rio poluído, infectaria o mar.
E todos os sonhos, os nomes pensados,
As roupas – tão pequenas – escolhidas com gosto
Seriam nada.
Eram levadas as semanas de alegria,
A barriga, que ela jura ter crescido,
Os enjôos pela manhã e os desejos...ah, os desejos da madrugada !
De repente ela estava ali de pé,
Lavada,
Limpa de qualquer sentimento,
A espuma a desaparecer com a água,
Solvente de mil universos.
Estória torta
De uma formiga tonta.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Pablo Picasso - Il poeta (1911)
Vistoso velhote volteia vovó - volúpia.
Volúvel voyeur, vou-me voluntariosa,
vulnerável.
Vasculho vastidão, voragem varre veemente vazio...
(Verve: valoroso versejar).

segunda-feira, 18 de junho de 2007



Toulouse-Lautrec - Au Moulin Rouge

Araucaria Angustifolia *

Tua cidade é feia, é fria, é cinza, embora os jardins sejam bem cuidados. Tua cidade desloca-se em ônibus infindos-monocromáticos e táxis abóbora-horrível, de preto pontilhados. Tua cidade de rodoviária gélida, peep show lacrimoso – se é que me entende. Tua cidade do centro histórico, cópia de qualquer outro igual. Tua cidade harmônica, planejada, reta, fantasmal. Tua cidade onde não me mostraram sorrisos e a moda era o casual. Tua cidade onde cada fêmea era colombina e não há carnaval. Tua cidade jovem, tua cidade exemplo, tua cidade onde os poetas ainda gravitam vampirescos e pedrosos. Essa tua cidade é minha lembrança tristonha de fase medonha. É toda poesia prosa. É feia, mas numinosa.

*algo no texto "Botas, bico fino, cano longo, domingo de sol " do Alessandro Martins levou-me a este...

sexta-feira, 15 de junho de 2007

René Magrite
Com a suavidade das tormentas
Os dias passam rápidos,
Soprar da brisa à beira mar.
A vontade mergulhou de cabeça
Em teus modos.
Sem ver o fundo, se deixou levar
Instintivamente
Pelos sons murmurados nas madrugadas.
O instante submerso
Despertou desconhecidos
Que eriçaram pêlos,
Causaram o acelerar de todo o corpo.
Mas me faltou ar,
Em teus beijos de Gênova,
Nos abraços Mediterrâneos,
Em gozos dessa terra.
Necessitei respirar...
Humanamente me debati,
Despertando-te lágrimas,
E meu coração se estraçalhou
Como nunca, quando meus olhos
Fitaram o sol acima
Daquela tênue linha d’água

quinta-feira, 14 de junho de 2007


Oscar Bluemner (1867-1934) - Sunrise
Pensar, pensar muito e não chegar aos porquês, continuar, porque assim se mostra necessário, não há muito por onde escapar... inevitável o estar aqui, o prosseguir por destinação... ser homem e carregar o peso e o mistério da humanidade... maravilhar-se! Ser redundante de plenas possibilidades. Viver o que há... ser, simplesmente, porque és sendo... diariamente reler a criação... poetizar-se...

quinta-feira, 7 de junho de 2007




Marc Chagall
A felicidade do outro pode parecer estúpida para ti, e assim era a de João. Um trabalho como outro qualquer, mero modo de subsistência, colegas se invejando e um patrão cujo nível de competência era questionável. A cada dois dias, no mínimo, João era chamado à atenção por ter esquecido de algum detalhe mecânico e burocrático de suas funções. Pensa você que João ligava para isso, ou para as risadas falsas de seus colegas de trabalho? Nada! Ele era um homem apaixonado e o dia-a-dia não lhe causava qualquer reação.
Do começo.
Nosso personagem é alguém normal, normal como eu e como você que acompanha sua história. Nasceu numa família suburbana, freqüentou colégios pagos. O pai de João era motorista de táxi, a mãe, dona-de-casa, fazia doces para festas a fim de ajudar na educação do seu João. Quanto a ele... Bom, foi um aluno aplicado, um dos melhores do colégio.
Com o tempo resolveu cursar Faculdade de Informática “a profissão do futuro” e continuou demonstrando que o futuro para ele era mesmo uma questão resolvida. Não que João fosse um desses rapazes que só vivem para o estudo. Ele era, como eu já disse, normal; namorava, tinha amigos, costumava sair para dançar à noite... A família se orgulhava do seu João.
Formado, conseguiu arrumar o tal emprego, e logo, descobriu que o seu futuro se resumia a cumprir ordens, ou melhor, a pôr em prática a idéia dos outros.
João teve a sensação de que em algum ponto de sua normalidade fora enganado. Começou a se questionar, a questionar os colegas que o olhavam com uma inveja covarde. Quase largou tudo o nosso João! Mas é aí que conhece Ana...
Ana que andava pelas noites trocando o que a natureza tinha lhe dado por dinheiro. Afinal, ela também pensava no futuro. Olha ele aí de novo, o futuro, que reservou o encontro de João com a bela Ana. E foi paixão à primeira vista. Ah as pernas de Ana! A boca de Ana! As curvas da bela dama! João se perdeu no tempo, a mãe se desesperou, chorou, rezou, implorou; o pai simplesmente o expulsou de casa. Seu filho tinha morrido.O seu João nunca se deixaria levar por uma Ana-da-noite, uma Ana-qualquer.
João tirou Ana da noite. Tirou também os questionamentos da cabeça. Colocou na sua mesa o retrato da musa, agora mulher. Passou a trabalhar com a velha normalidade, exceto pelos detalhes que esquece quando fica olhando o retrato. O futuro tinha chegado para João! Os colegas debochavam quando ele era chamado à atenção e perderam completamente a certa admiração. João nem ligava!
O João da nossa história - ou será a história do nosso João? - vai ganhar um novo personagem. Ana está esperando um filho e já descobriu que vem aí outro João. O João é só felicidade e não se aborrece com nada, só pensa no futuro do seu João.
João está feliz...
Precisava olhar
No fundo dos teus olhos
Para explicar o mar
Que sai dos meus.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Piet Mondrian

Capturei tua essência
No olhar aflito.
No gosto da língua
O corpo revelou mistérios.
O som de meu nome na tua voz
Transformou-me no que observa
Com indiferença.
Analisei o branco de teus dedos
E as pequenas gotas
Que brilhavam tímidas
Me renegaram.
Parti sem virar para o teu adeus,
Dei-te as costas como mais uma,
Fazendo com que teu coração
Sofra por tolos disfarces.
A angústia é uma flor
Arrancada de suas raízes.
Colocada em algum vaso na casa
Para que todos a vejam vive pouco,
E é logo substituída por outra.